A GUERRA COMO VOCÊ NUNCA VIU Sobre Vá e Veja











A MOSTRA 21 de janeiro de 2012 termina com um filme que será novo porque não estamos habituados a ver filmes russos – principalmente nos anos 80, quando a Rússia ainda era URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) -, nem filmes onde aparecem soldados soviéticos lutando contra os soldados nazistas. Vimos e vemos até hoje filmes norte-americanos que sempre contaram a Segunda Guerra Mundial a partir da presença dos estadunidenses no conflito. Claro, que por razões políticas e ideológicas eles não poderiam ou gostariam de falar da participação de civis e soldados soviéticos neste embate avassalador que configurou o mundo ocidental contemporâneo como o conhecemos hoje.

Esta mostra pretendeu em 21 dias e 42 filmes ser um bom início da revisão sobre o que foi a Segunda Guerra para vozes que o mundo das imagens deu pouco destaque nos últimos 66 anos. Foram crianças (O MENINO DO PIJAMA LISTRADO), casais apaixonados (DESEJO E REPARAÇÃO), iugoslavos (UNDERGROUND), poloneses (KATYN), japoneses (ADEUS MINHA CONCUBINA), judeus (A LISTA DE SCHINDLER), lésbicas (AIMÉE E JAGUAR), artistas (O PODER VAI DANÇAR), religiosos (AMÉM), gays (BENT), norte-americanos (BASTARDOS INGLÓRIOS) e russos (VÁ E VEJA) entre tantos e tantos, incluindo o sangue de muitos de nós, brasileiros, que foi perdido, inocentemente ou não, nesta guerra absurda – como são todas as guerras.

Se os outros filmes não foram suficientemente convincentes quanto ao que significa um conflito bélico e o que ele pode fazer com as pessoas, depois de VÁ E VEJA, todos nós seremos mais humanistas e lutaremos mais e mais para que não nos transformemos em criaturas selvagens, feias e más.

ZONA DE RISCO e ANTES DA CHUVA também tratam de povos em conflito violento e suas contendas ainda são claramente decorrentes da Segunda Grande Guerra. São como as sementes venenosas do ódio. MONSIEUR VERDOUX avisa que o homem matará friamente e aos milhares e todos os outros filmes desta MOSTRA 21, nº 4, rumo à concentração em si, que amar e viver não serão tarefas das mais fáceis: MÁ EDUCAÇÃO, AMIGAS DE COLÉGIO, A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM, BOOGIE NIGHTS, KRAMER VS. KRAMER, À PROCURA DE ERIC, DANÇANDO NO ESCURO, ANTICRISTO, LONGE DO PARAÍSO, AMORES IMAGINÁRIOS, LAVOURA ARCAICA, EU MATEI MINHA MÃE, DÚVIDA, ESCOLA DO RISO, CLUBE DA LUA, OS AMANTES DO CÍRCULO POLAR, A MULHER E O ATIRADOR DE FACAS, ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, OS TRÊS ENTERROS DE MELQUÍADES ESTRADA, A ESTRADA PERDIDA, MAR ADENTRO, PARA SEMPRE LILYA, E SUA MÃE TAMBÉM, XXY, ÚLTIMO TANGO EM PARIS e SHORTBUS. Não. Amar, viver e sonhar não será fácil para ninguém durante um bom tempo ainda. Espero que esses filmes nos tenham feito pensar mais atentamente sobre isso.

CHOCANDO OS LIBERTÁRIOS Sobre Shortbus










Toda MOSTRA 21 eu coloco, pelo menos, um filme que fala de sexo com o máximo de desenvoltura e liberdade: OS IDIOTAS, KEN PARK, LADO SELVAGEM e até mesmo o acadêmico KINSEY – VAMOS FALAR DE SEXO foram filmes que escandalizaram. Agora é a vez de SHORTBUS dar o seu recado certeiro e sem pudores. Não por acaso ele é o filme de sábado do penúltimo dia de mostra.

Tem muita gente que fala de sexo e diz que acha tudo muito natural e que aceita a diversidade e coisa e tal e continua num discurso demagogo e politicamente correto sempre que tem chance. E quanta dessa gente nunca sentiu um orgasmo ou nunca se permitiu realizar suas mais profundas e secretas vontades... Talvez este seja um dos pontos-chave deste excelente filme do John Cameron Mitchel.

Quando vi este filme no cinema, lembro de ter ficado ruborizado (hehe..) e fiquei muito feliz com essa sensação de leve constrangimento que eu nunca mais havia experimentado. A proposta de produção do filme é muito radical e toca em assuntos que poucas pessoas se propõem discutir sem pudores, sem receios por medo de ficarem taxados disso ou daquilo.

Exibir SHORTBUS faz-me lembrar de uma leitura de Breton feita por Octavio Paz no maravilhoso livro (“Duas Chamas: Amor e Erotismo”) que lemos no LUME em 2011. Octavio Paz diz que quando André Breton escreveu “O Amor Louco” (esse livro tem na Biblioteca do SESC) ele sai em defesa do Amor, combatendo por ele em três frentes: “a dos comunistas, empenhados em ignorar a vida privada e suas paixões; a das antigas proibições da Igreja e da burguesia, e a dos emancipados. Combater os dois primeiros não era difícil, intelectualmente falando; combater o terceiro grupo era árduo pois implicava a crítica de seu meio social. Não há nada mais difícil que defender a liberdade contra os libertários”. (p.125). Será que nossos emancipados libertários aceitarão com tranqüilidade a sessão deste filme?

PERGUNTE AO SEU DESEJO O QUE VOCÊ É Sobre XXY









Como é maravilhoso o cinema argentino! E quantas mulheres dirigem e dirigem bem por lá! Lucía Puenzo conseguiu com XXY falar dos meandros do desejo e da identidade sexual de todos nós. Falando de hermafrodita pôde perguntar aos nossos instintos sexuais mais profundos o que nos faz gozar e que aparência queremos ter para o mundo.

Se qualquer adolescente já sofre com uma carga hormonal e identitária absurda, imagine um adolescente com potencial físico e psicológico para dois gêneros distintos?

Distinções frágeis e bobas de “isto é coisa de homem”, “isto é comportamento de mulher” vêm abaixo neste filme. O local dos pertencimentos dados pela distinção do DNA cai por terra. E se formos geneticamente livres para sermos o que quisermos ser e ninguém precisar nos enquadrar em nossa intimidade pela aparência externa que possuamos?

Como excelente obra de ficção que é, XXY nos faz perguntas, nos impõe questões e nos tira da comodidade de um falso lugar certo. Atrapalhem-se e divirtam-se!

QUE O AMOR NOS SALVE DA GRANDE SOLIDÃO Sobre Para Sempre Lilya










Preparem seus doces corações para a história de Lilya, uma meiga adolescente de uma pequena cidade da ex-União Soviética. E preparem mais ainda seus corações, porque a história de Volodya, seu amiguinho de 11 anos não é menos dura.

Talvez o que mais possa ferir o espectador seja a pureza e a doçura desses jovens massacrados por um sistema carniceiro e brutal. Digamos que este filme seja um Dançando no Escuro sem trilha sonora.

Mas a história de Lilya é essencial e merece que saibamos de sua existência. Temos que nos identificar com Lilya porque senão ocuparemos o lugar das pessoas que a usaram ou que lhe deram as costas.









Lukas Moodysson filmou tão lindas histórias com amores adolescentes: AMIGAS DE COLÉGIO, BEM-VINDOS... E agora, usando a mesma câmera que consegue entrar na intimidade dos personagens como se não houvesse câmera nenhuma, nos lança para uma dor e solidão sem fim.

Que Lilya fique para sempre em nossos corações e nunca sozinha nas ruas.

MAIS FORTE QUE O HORROR É O DESEJO Sobre Bent











Além dos judeus, também os ciganos e os homossexuais foram perseguidos pelos alemães nazistas. Mas essas outras minorias têm poucos, raros retratos cinematográficos. Em BENT, o público da MOSTRA 21 poderá acompanhar uma triste história de amor em meio ao suplício do cativeiro.

Semana passada foram duas mulheres a quebrarem as barreiras do Reich: AIMÉE E JAGUAR. Agora é a vez dos homens tratarem do desejo reprimido, do castigo imposto por condições às quais não se escolhem, não se optam. O Desejo é a lei mais preto-no-branco que determina as criaturas. Ele vem e nos leva pra onde quer como um mar furioso transforma em barquinhos de papel, gigantescas embarcações de aço. Frente ao desejo não há escolha. Há o império de uma única vontade, de um único caminho para a outra boca, para o outro corpo, para aquele corpo e aquela boca ao invés de quaisquer outros por mais que nos castiguem, porque mais que nos neguem e firam.

Hoje em dia as pessoas desfrutam de uma liberdade sexual e pensam que se atingiu o auge de uma fictícia evolução. Nos anos que antecederam o domínio do partido nazista em Berlim, este filme vai mostrar que maior liberdade e poder já tiveram os homossexuais no século XX e, de repente, sem aviso, sem que se esperasse tamanho giro e tamanha traição, foram transformados em escória e seres humanos de segunda classe. Os arianos homossexuais ainda eram seres humanos de segunda classe. Os judeus homossexuais eram bichos de segunda classe. É a MOSTRA 21 esquentando suas turbinas nos últimos dias de sua incrível jornada.

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